Nas últimas semanas regressou em força o debate público sobre o futuro da antiga panificadora Panreal, um edifício do arquiteto Nadir Afonso e um dos mais importantes exemplares de arquitetura industrial em todo o país.
Na base da discussão está o alerta lançado pelo Movimento Pró Nadir, que teve conhecimento da intenção da compra do imóvel pelo LIDL com o objetivo de o demolir para ampliar o espaço comercial. Intenção que esbarra no pedido de classificação de interesse municipal do imóvel feito pela Fundação Nadir Afonso em dezembro passado.
Chegámos a um ponto em que se pretende pôr fim à situação de degradação de um edifício emblemático, localizado numa zona cada vez mais central da cidade. As alternativas são simples: 1) ou se classifica o imóvel como sendo de interesse municipal, garantindo que uma futura intervenção no espaço respeite a traça original; ou 2) permite-se a sua demolição para dar lugar à ampliação do LIDL.
O árbitro neste conflito é a Câmara Municipal, que terá que tomar uma decisão política sobre o assunto. Contrariamente ao que foi dito em alguns espaços de opinião, a escolha não é entre o abandono ou um investimento público de milhões. A escolha é entre o interesse do atual proprietário e o interesse público na preservação do património.
Neste contexto, não foram poucas as vozes que alertaram para a necessidade de salvaguardar o “importante investimento” que o proprietário ali teria feito. Desmistifiquemos esta ideia de uma vez por todas.
O atual proprietário é o principal responsável pelo estado de degradação do espaço nos últimos 18 anos. Foi ele quem não realizou a mais ligeira obra de manutenção, não garantiu a vedação do espaço e não zelou pela salubridade de uma propriedade que é sua.
De acordo com a escritura acessível a qualquer cidadão, o “avultado investimento” feito na compra do imóvel em 2001 foi de 350 mil euros. Agora, depois de anos sem investir na preservação do imóvel, pretende vendê-lo por 950 mil euros, fazendo um lucro de meio milhão.
Do outro lado do negócio encontra-se o LIDL que, de acordo com o contrato-promessa de compra e venda, impôs uma condição: obter o cancelamento do processo de classificação. Portanto, a multinacional alemã dispõe-se a pagar uma valorização superior a 100% sob a condição de o terreno ser vendido com autorização para demolir a Panificadora e criar um parque de estacionamento.
É esta a expectativa que merece ser tutelada pela Câmara Municipal? Não nos parece. Se algo deveria merecer a atenção do Município seria a legislação quanto à conservação do edificado. O proprietário devia ter sido obrigado, pelos sucessivos executivos, a manter o espaço em condições minimamente dignas.
Classificar a Panificadora como imóvel de interesse municipal não impede a sua venda. O edifício é facilmente adaptável a novos usos, muitos deles já propostos publicamente: poderia servir de expansão ao LIDL, de Museu das Corridas, de espaço para uma das muitas empresas que anunciaram a intenção de investir em Vila Real, de polo Régia-Douro Park ou de espaço multiusos para a UTAD.
A classificação, impondo a recuperação do imóvel, iria provavelmente ter um impacto no valor do terreno. Mas esta deve ser uma preocupação menor para o decisor público e é uma consequência normal para quem investiu especulativamente num imóvel de interesse cultural.
Já beneficiar com uma mais-valia de 500 mil euros um proprietário incumpridor parece imoral. Abdicar da salvaguarda de património cultural em favor dos interesses privados de quem contribuiu para o surgimento de uma das maiores cicatrizes urbanas da cidade de Vila Real é inaceitável.