Texto extraído do livro «Nadir face a face com Einstein»
O universo como continente, receptáculo, não tem princípio nem tempo, nem fim, e só no seu interior, conteúdo, a energia legítica tudo gera: movimento, espaço, tempo, numa clareza sem enigmas, sem mistérios, sem contradições e sem mistificações.
Eu digo: a lei é a fonte geradora de radiação que anima o Universo; e contudo, este vocábulo fonte não está correctamente aplicado: o facto de haver uma fonte de origem, pressupõe uma acção precedente que na realidade não existe. A energia que constitui o Universo não veio de qualquer lado, porque nenhuma coisa foi criada: a energia jaz como igualmente jaz esse princípio – lei – que a sustenta. Ao contrário daquilo que sensorialmente se nos depara como natural, o seu ser não vem do passado nem do alto; não rege de fora. Ele age no interior do próprio fenómeno como elemento da sua composição intrínseca. E contudo, estas afirmações possuem uma história tão longa como a minha obra tacteada no seio das formas; tão forte como esta certeza actual, entremeada de perturbantes interrogações. Se, como penso, e há longos anos clamo, a essência da Arte não reside no objecto – a Arte está na geometria, matemática subjacente que anima o objecto – então o que sinto além deste e me toca senão a energia que emana das suas normas? Desde os meus primeiros trabalhos, formulo estas perguntas: as leis irradiam elas energia? Não será o efeito do seu impacto esta emoção que me toma? Respostas a que tão tenazmente me devotei e a partir das quais não foi de ânimo leve se os meus estudos confluem e se confinam a esta derradeira conclusão: a lei é a entidade natural que nenhuma força pode criar e nenhuma força pode eliminar: ela rejeita a sua: criação como rejeita a sua negação.
- Simples conjecturas? Certamente, mas qual será o conceito que em cosmogonia não se reveste de suposição pura? Estas crenças situam-se pelo menos no termo duma diligência vivida no" trabalho das formas. Não hesito em afirmar: do modo com tentarei expô-la, a minha tese é única no sentido em que, apelando à originalidade e à singularidade da lei – como autocinesia –, não comporta o seu termo antitético que o pensamento analítico normalmente reclama: qualquer outra hipótese causal se me afigura inconcebível. Onde está, com efeito, o poder que supera - ou a causa que precede -, disposto a suspender a lei das formas na sua elementaridade, a força capaz de impedir que essa constante realidade que é a sua génese matemática exista, em si, distinta do objecto que a, exprime e representa?
Quer os elementos, quer as substâncias físicas fundem-se em normas geométricas. O que poderá existir de auto-suficiente senão a singularidade, a extrema simplicidade, a exactidão do círculo? Todo o espaço cósmico se reduz, na sua essência, a essa regra espacial absoluta; e qualquer outro princípio, seja físico seja geométrico, é já uma complexidade proveniente dela. Síntese de todos os elementos da Natureza, o círculo exprime a forma elevada à sua redução última; ele encerra...essa intuição demiúrgica, hoje perdida: na Antiguidade Clássica, geométrica era a forma cosmométrica por excelência... e a esse sentido original, àquela pura mónade platónica, aqui regresso e nela tentarei expressar-me:
A solução do problema cósmico, na mesma via perceptiva do fenómeno artístico, requer, à partida, um acto de reflexão fundado sobre o conceito de elementaridade e de simplicidade.
© Nadir Afonso