Belém
Judia de Tomás Ribeiro
(poesia que Nadir Afonso muitas vezes recitava)
Corria branda a noite; o Tejo era sereno;
A riba silenciosa, a viração subtil;
A lua em pleno azul, erguia o rosto ameno;
No céu, inteira paz; na terra, pleno Abril.
Tardo rumor longínquo; airosa barca ao largo,
Bordava áureo listão do Tejo ao manto azul;
Cedia a natureza ao celestial letargo;
Traziam meigos sons as virações do Sul.
Oh! Noites de Lisboa! Ó noites de poesia!
Auras cheias de aromas! Esplêndido luar!
Vastos jardins em flor! Suavíssimas harmonias!
Transparente, profundo, infindo, o céu e o mar…
(...)
Corria branda a noite; imersa em funda mágoa;
Fui sentar-me triste e só no meu jardim:
Ouvi um canto ameno! E um barco ao lume d’água
Vogava brandamente. A voz dizia assim:
“Dorme! E eu velo sedutora imagem,
Grata miragem que no ermo vi:
Dorme, impossível que encontrei na vida!
Dorme, querida, que eu descanto aqui!
Dorme! Eu descanto a calentar teus sonhos,
Virgens, risonhos que te vêm dos céus! Dorme!
E não vejas o martírio, as mágoas,
Que eu digo às águas e não conto a Deus!
(...)
Porque há-de o lume de teus olhos belos,
Mostrar-me anelos de infinito ardor?
Porque esta chama a consumir-me o seio?
Deus, de permei, nos maldiz o amor!…
Peito! Meu peito, porque anseias tanto?
Pranto! Meu pranto, basta já, não mais!…
É sina, é sina! Remador voltemos;
Não a acordemos… porque meus ais?…
Dorme, que eu velo, sedutora imagem,
Grata miragem que no ermo vi;
Dorme – impossível que encontrei na vida!
Dorme querida, que eu não volto aqui…
Sumiu-se a barca e eu chorava
Debruçada sobre o Tejo;
A aragem trouxe-me um beijo
Que nos meus lábios tomei!…
Ergui-me cheia de afecto;
Vi cintilar ainda a esteira
Da barquinha feiticeira,
E disse às auras: – Correi!
Trazei-mo! Quero contar-lhe
O fundo tormento enorme
Da judia, que não dorme
A penar de ignoto amor! Voai!
Trazei-me o seu nome,
O seu retrato, o seu canto,
Uma baga do seu pranto …
Que venha! O meu trovador!…
Ai! Não! Que há na minha história
Que suavize a tristeza?
Nasci na triste Veneza,
Onde perdi minha mãe;
Acalentaram-me lágrimas
Que derramava a saudade,
Na desgraçada cidade
Que não tem pátria, também.
Cresci; meu Pai, uma noite,
Disse-me: – É já tempo agora;
Ergue-te ao romper d’aurora
Vamos partir amanhã;
Vamos ver as terras santas,
Sepulcros de teus monarcas,
A pátria dos patriarcas,
Desde o Egipto a Canaan…
Fui… corri o mapa imenso
Das montanhas da Judeia;
Ai! Pátria da raça hebreia!
Ai! Desditosa Sião!
Que extensos montes sem relva!
Que paragens sem conforto!
Onde se estende o Mar-Morto
E onde serpeia o Jordão.
(...)
© Nadir Afonso