Trecho de «As Artes - Erradas Crenças e Falsas Críticas. The Arts - Erroneous Beliefs and False Criticisms»
Imagem de uma gaveta com desenhos.
«Aquela diferença entre perfeição — qualidade assente em princípios variáveis no espaço e no tempo — e harmonia — qualidade quantitativa assente em princípios universais, exactos e constantes, é exaustivamente tratada nos nossos trabalhos. Apenas sublinhamos que a distinção fenomenal não reside nos objectos (razão pela qual a fenomenologia dos filósofos, não se apercebendo dela, reduz perfeição e harmonia no mesmo ideal imanente do espírito do sujeito) mas nas condições de existência anteriores aos objectos … enquanto na realidade, estes são apenas suportes das qualidades. Se a própria transformação da forma dos objectos é causada pela evolução das condições de existência, é nesta que devemos procurar o sentido significativo das suas qualidades. Para compreender o mecanismo destas condições de existência determinantes procuremos estabelecer um paralelo entre meditação teórica e observação prática e regressar ao exemplo, citado anteriormente, do copo e da cadeira: ao primeiro olhar sobre o mundo vejo os objectos — copos, cadeiras, casas… — mas não vejo as suas qualidades nem as leis que as regem — as necessidades e as funções (estabilidade, resistência, comodidade, etc. …) — estas só as posso observar, sentir e compreender, demoradamente, insistentemente, através das minhas experiências … e observa-las não no objecto fixado, fixo diante de mim, mas nas suas condições preexistentes, progressivamente elaboradas. Quando no seu ensaio «A Evolução Criadora», Bergson (1859-1941) escreve que «no nosso primeiro olhar sobre o mundo vemos as qualidades», engana-se e a prova de que ele se engana, é que as não vê, nomeadamente quando, na falta duma anterior elaboração, olha a obra de Arte. Se ele as sentisse não diria que para haver Arte basta haver objecto e haver sujeito. Porque se alguém «vê» as qualidades, não é no objecto nem no espírito, é nas condições de existência presentes sob a forma de relações — de proporções matemáticas, geométricas no caso da Arte Plástica — ainda que, numa ilusão de imanência, ele não o creia e afirme o contrário.»
© Nadir Afonso